19/08/2025

As quatro canções que seguem - Fernando Pessoa





As quatro canções que seguem
Separam-se de tudo o que eu penso,
Mentem a tudo o que eu sinto,
São do contrário do que eu sou ...

Escrevi-as estando doente
E por isso elas são naturais
E concordam com aquilo que sinto,
Concordam com aquilo com que não concordam ...
Estando doente devo pensar o contrário
Do que penso quando estou são.
(Senão não estaria doente),
Devo sentir o contrário do que sinto
Quando sou eu na saúde,
Devo mentir à minha natureza
De criatura que sente de certa maneira ...
Devo ser todo doente — ideias e tudo.
Quando estou doente, não estou doente para outra coisa.

Por isso essas canções que me renegam
Não são capazes de me renegar
E são a paisagem da minha alma de noite,
A mesma ao contrário ...


Alberto Caeiro
(Heterónimo de Fernando Pessoa)
in o Guardador de Rebanhos



16/08/2025

Poema Azul - Sophia de Mello Breyner





O mar beijando a areia
O céu e a lua cheia
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu
E a lua cheia
Que prateia os cabelos do meu bem
Que olha o mar beijando a areia
E uma estrelinha solta no céu
Que cai no mar
Que abraça a areia
Que mostra o céu e a lua cheia
um beijo meu


Sophia de Mello Breyner




09/08/2025

Hora pálida e branca - Anrique Paço D'Arcos





Hora pálida e branca, hora em que o dia
A pouco e pouco sai da sombra triste;
Hora em que o sol de longe principia
A inundar de luz tudo o que existe;

Hora branca do doce madrugar,
Hora em que a luz também toma essa cor,
Hora em que tudo acorda e a cantar
Também acorda em mim a minha dor;

Hora branca do doce alvorecer,
Hora da cor do sol que vai nascer
O seu manto de sombra a dissipar ...

Hora em que a treva aos poucos se levanta,
Hora em que a terra docemente canta,
Hora da vida toda a despertar!


Anrique Paço D'Arcos

(Henrique Belford Correia da Silva)
Em Poesia completa


02/08/2025

A vida está nos olhos de quem sabe ver - Gabriel García Márquez





“É necessário abrir os olhos e perceber que as coisas boas estão dentro de nós: onde os sentimentos não precisam de motivos nem os desejos de razão. O importante é aproveitar o momento e aprender sua duração; Pois a vida está nos olhos de quem sabe ver.”


Gabriel García Márquez



25/07/2025

Pérolas - Delores Pires





Pérolas de chuva
dançando serenas no ar
tombam sobre a terra.


Delores Pires
In O livro dos Haicais



19/07/2025

Voltei a ser Felizardo -Walter Dimenstein





O que a natureza dá
Certo dia vem cobrar
Subtraindo com certeza
Até traços da beleza
Inclusive a luz da mente
Que se apaga suavemente
Porém quando te encontrei
Uma luz nova eu ganhei
E de novo iluminado Voltei a ser felizardo.


Walter Dimenstein
Médico e poeta pernambucano




12/07/2025

Primavera - Maria de Santa Isabel





Quero-te bem, ó doce primavera,
Que vens encher de cor minha vida:
Minha irmã - alegria tão querida,
Meu ideal de sonho, de quimera!

Em mim, sentir-te sempre, quem me dera;
Adoro ver a terra assim florida,
Por esse teu aroma entontecida,
Toda vida, glicínias, folhas de hera.

Eu vou colher, além , nos olivais,
Madressilvas, roselas, lírios bravos,
A anémona, um lilás de tons ideais...

A primavera passa...mais um dia ...
E, sobre a mesa, vão murchando os cravos...
Como o Tempo esfolhou minha alegria!


Maria de Santa Isabel
(Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide)
In Flor de Esteva



09/07/2025

Poema escrito no chão - Afonso Estebanez Stael





Nos reveses desta vida
o amor não sofre senão
quando a alma é ferida
nos espinhos da paixão.

A desculpa concedida
no revés da ingratidão
arrefece a dor sofrida
no perfume do perdão.

Vê o vôo nas planuras
do orgulho nas alturas
que inebria o coração...

Deus que deu à alma das rosas o luzir das cores
também deu por abundância o perfume às flores
que rastejam pelo chão...


Afonso Estebanez Stael



05/07/2025

Construção - Delores Pires




Sob o roseiral
tecem pétalas caídas
tapete de flores...



Delores Pires




29/06/2025

O bailado e as suas rendas - Rita de Cássia Alves






Músicas
fiam passos

em corpos que bailam.

Sabem-se artesanais,
entrelaçando

mãos e pés.

Na seda dos sentidos,
dançarinos tecem

o movimento.


Rita de Cássia Alves In Fios de Agora




24/06/2025

Participação no Dueto Amoroso 4 da amiga Rosélia




A minha participação no Dueto Amoroso 4 proposto pela querida amiga Rosélia, no seu maravilhoso blog " Amor Azul ". O Tema proposto para a quarta semana foi:






No peito um coração de pedra fria,
que o tempo moldou sem mais querer.
Mas nasce em silêncio a fantasia,
de um novo e doce amanhecer.

A alma, que andava adormecida,
ouve ao longe um canto de esperança.
O amor, que parecia sem vida,
renasce com a força de criança.

Mesmo a rocha, dura, indiferente,
se fende ao toque do sentir.
Pois no amor, suave e persistente,
há um lume que sabe resistir.

E o tempo, senhor de todo o ser,
cura a dor sem se fazer notar.
Traz à pedra o dom de entender
que o amor veio para ficar.




21/06/2025

Infância - Roseana Murray






Viver era para sempre
e o tempo uma coisa
redonda
ondulando feito céu e mar
o tempo não era
perigoso mistério
entranhas de uma caverna
o tempo simplesmente
não existia
do jeito que existe hoje
latejante urgente
irreversível.


Roseana Murray



14/06/2025

Antes ...





Antes que a tarde amanheça
e a noite vire dia
põe poesia no café
e café na poesia


Paulo Leminski
In Toda Poesia




08/06/2025

Guia-me a só razão - Fernando Pessoa





Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.

Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.

Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
"Cego, fora eu bendito"?

Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão
Olhar de conhecer.

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.


Fernando Pessoa
in Cancioneiro




01/06/2025

Participação no Dueto Amoroso - 1 da amiga Rosélia




A minha participação no Dueto Amoroso proposto pela querida amiga Rosélia, no seu maravilhoso blog " Amor Azul ". O Tema proposto para a primeira semana foi: "Castelos"






Primavera no Castelo e no Coração

Num castelo entre as flores,
desabrocha a primavera,
nos jardins nascem amores
como luz de uma quimera.

O vento conta em segredo
uma história de ternura,
onde o amor vence o medo
com doçura e com candura.

Nas torres do velho forte,
beijos dançam sem cessar,
e o destino, em doce sorte,
ensina os corações a amar.

Que a primavera reine sempre no castelo do coração de todos nós




31/05/2025

Balança - José Saramgo




Com pesos duvidosos me sujeito
À balança até hoje recusada.
É tempo de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir, ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou,
Matérias, outras não, que me fizeram,
O sonho fugidiço, o desespero
De prender violento ou descuidar
A sombra que me vai medindo os dias;
Ponho a vida tão pouca, o ruim corpo,
Traições naturais e relutâncias,
Ponho o que há de amor, a sua urgência,
O gosto de passar entre as estrelas,
A certeza de ser que só teria
Se viesses pesar-me, poesia.

José Saramago,
de Os poemas possíveis





24/05/2025

Crepúsculo - Delores Pires






Luz de fim do dia.
E a tua imagem flutua...
Vaga nostalgia!


Delores Pires
em "O Livro dos Haicais"





17/05/2025

Busca nova ilusão - Walter Dimenstein





Sempre alguma coisa fica
Dos nossos sonhos coloridos
Sonhos idos e vividos
Devidos ou indevidos
Resta uma saudade rica
Que empobrece a cada hora
Até que um dia vai embora
Pra longe sem deixar pistas
E o sofrido coração
Busca nova ilusão.


Walter Dimenstein
Homenagem ao médico e poeta pernambucano



13/05/2025

Reza da Manhã de Maio - Sophia de Mello Breyner Andresen





Senhor, dai-me a inocência dos animais
para que eu possa beber nesta manhã
a harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã
de humanidade
apagai a vaidade,
para que eu me perca e me dissolva
na perfeição da manhã
e para que o vento me devolva
a parte de mim que vive
à beira dum jardim que só eu tive.


Sophia de Mello Breyner Andresen
do livro “Coral e outros poemas”




10/05/2025

Reflexões - Anna Carlini




Um barco passa ao longe
Na linha do horizonte.

Passa o tempo,
uma alegria, alguns sorrisos
Muitos sonhos, algumas dores
Muitos amores, poucas verdades

Um adeus,
algumas lágrimas, recordações
como no horizonte ao pôr-do-sol
Vão se esfumando as lembranças

Que importa se desce a sombra
Se tudo já é passado.
Navega comigo,
Até que a noite desapareça.


Ana Carlini (Pseudónimo)



04/05/2025

Mãe - António Ramos Rosa





Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical, v sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.


António Ramos Rosa, in "Antologia Poética"




29/04/2025

Simplicidade - Haikai de Delores Pires





Singela e formosa
num torvelinho de espinho
desabrocha a rosa.


Delores Pires in O Livro dos Haicais



23/04/2025

A Tempo - Vitorino Nemésio






A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno,
Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo, eterno
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem se salva a tempo.
E, entretanto, durei.


Vitorino Nemésio, in 'O Verbo e a Morte'





19/04/2025

Saudade - Bernardina Vilar




Saudade é a imagem das recordações...
De luz acesa, crepitante chama
Que aquece a alma e gera evocações
E sem querer o desengano engana.

Saudade é um verso feito de emoções...
Acre perfume que a doçura emana
Torpor que entrando em nossos corações
Quanto mais embriaga, mais inflama...

Doce abandono... Ausência merencória...
De um passado distante a viva história
Que em nós conserva uma lembrança pura.

Saudade é o silvo agudo de um lamento
Que escutamos no perpassar do tempo
Como sendo delícia e amargura.


Bernardina Vilar




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