29/01/2025

Falavam-me de Amor - Natália Correia





Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

Depois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.


Natália Correia, in 'O Dilúvio e a Pomba'



26/01/2025

Poema Hoje - Anna Carlini





Hoje com o coração partido,
Saio mais cedo em busca de abrigo.
Abrigo que jamais encontrarei...

Saio em busca da distração
Que me faz esquecer
As mágoas de meus dias,
A impossível solução.

Preocupação, insatisfação
O choro amargo da ausência.

O passado vai longe,
A saudade ficou comigo.
Vamos embora de mãos dadas.


Anna Carlini





19/01/2025

Elegia da Noite




A noite cheia de astros encantados,
Cinza do sol caindo sobre o mar ...
A noite, a noite negra, olhos fechados
De Deus que adormeceu para sonhar.

Noite estendendo as asas pela altura,
Águia negra pairando em todo o além,
Véu de noiva que abriu em sepultura,
Berço do sol e seu caixão também.

Fogueira estranha enchendo o firmamento,
Em negras labaredas tumultua,
Como se a densa treva num momento
Tornasse negra a própria luz da lua.

A noite, a noite triste e tenebrosa,
Eco de luz, sombra talvez de um grito ...
E lembra assim, tão negra e misteriosa,
A minha alma errando no Infinito ...


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas




15/01/2025

Crepúsculo - Anrique Paço D’Arcos




Paisagem do meu sonho .. Que tristeza
Alonga para os céus os pinheirais!
Crescem na tarde sombras e incertezas,
Sobe da terra o fumo dos casais.

É a hora dolorida em que se reza,
Em que as almas e as cousas são iguais,
No longo adeus do sol à natureza,
Cheia de luto e misterioso ais.

Paisagem do meu sonho em que me abismo,
Olhos turvos de lágrimas, e cismo
Na dor de quanto vai perdido à sorte ...

É a hora dolorida da ansiedade,
Em que a vida se abraça à Eternidade
E o meu sentir se casa com a morte!


Anrique Paço D’Arcos
in Poesias Completas



12/01/2025

Florir – é um Fim – casualmente





Florir – é um Fim – casualmente
Vendo uma Flor no campo
Talvez sequer alguém perceba
A sutil Circunstância

Que há na Lúcida Tarefa
A tal custo cumprida
Para se abrir qual Borboleta
Ao Sol do meio-dia –

Encher Botão – evitar Bicho –
O Orvalho obter bem cedo –
Expor-se à Luz – fugir ao Vento –
Precaver-se da Abelha

E não frustrar a Natureza
Que nesse Dia a aguarda –
Ser uma Flor é uma profunda
Responsabilidade –


Emily Dickinson
Alguns poemas - Tradução de José Lira





08/01/2025

Dom - Haikai de Helena Kolody





Deus dá a todos uma estrela.
Uns fazem da estrela um sol.
Outros nem conseguem vê-la


Helena Kolody




05/01/2025

Prece - Bernardina Vilar





De Deus eu quero a luz que me ilumine,
Do ser humano um pouco de bondade;
Do mal que fiz, perdão que me redime
E da ilusão a grata realidade.

Do coração eu quero o amor que imprime
N’alma o fulgor da justa caridade;
Do sofrimento a lágrima que exprime
O bálsamo da dor, da acerbidade.

Da inocência a pureza que irradia,
Do pássaro cantor, da voz o encanto
E das campinas o odor inigualável.

Dos felizes, um pouco de alegria...
Dos que sofrem o alívio de seu pranto;
Da humildade e da paz o gosto afável.


Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)



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