29/06/2025

O bailado e as suas rendas - Rita de Cássia Alves






Músicas
fiam passos

em corpos que bailam.

Sabem-se artesanais,
entrelaçando

mãos e pés.

Na seda dos sentidos,
dançarinos tecem

o movimento.


Rita de Cássia Alves In Fios de Agora




24/06/2025

Participação no Dueto Amoroso 4 da amiga Rosélia




A minha participação no Dueto Amoroso 4 proposto pela querida amiga Rosélia, no seu maravilhoso blog " Amor Azul ". O Tema proposto para a quarta semana foi:






No peito um coração de pedra fria,
que o tempo moldou sem mais querer.
Mas nasce em silêncio a fantasia,
de um novo e doce amanhecer.

A alma, que andava adormecida,
ouve ao longe um canto de esperança.
O amor, que parecia sem vida,
renasce com a força de criança.

Mesmo a rocha, dura, indiferente,
se fende ao toque do sentir.
Pois no amor, suave e persistente,
há um lume que sabe resistir.

E o tempo, senhor de todo o ser,
cura a dor sem se fazer notar.
Traz à pedra o dom de entender
que o amor veio para ficar.




21/06/2025

Infância - Roseana Murray






Viver era para sempre
e o tempo uma coisa
redonda
ondulando feito céu e mar
o tempo não era
perigoso mistério
entranhas de uma caverna
o tempo simplesmente
não existia
do jeito que existe hoje
latejante urgente
irreversível.


Roseana Murray



14/06/2025

Antes ...





Antes que a tarde amanheça
e a noite vire dia
põe poesia no café
e café na poesia


Paulo Leminski
In Toda Poesia




08/06/2025

Guia-me a só razão - Fernando Pessoa





Guia-me a só a razão.
Não me deram mais guia.
Alumia-me em vão?
Só ela me alumia.

Tivesse quem criou
O mundo desejado
Que eu fosse outro que sou,
Ter-me-ia outro criado.

Deu-me olhos para ver.
Olho, vejo, acredito.
Como ousarei dizer:
"Cego, fora eu bendito"?

Como olhar, a razão
Deus me deu, para ver
Para além da visão
Olhar de conhecer.

Se ver é enganar-me,
Pensar um descaminho,
Não sei. Deus os quis dar-me
Por verdade e caminho.


Fernando Pessoa
in Cancioneiro




01/06/2025

Participação no Dueto Amoroso - 1 da amiga Rosélia




A minha participação no Dueto Amoroso proposto pela querida amiga Rosélia, no seu maravilhoso blog " Amor Azul ". O Tema proposto para a primeira semana foi: "Castelos"






Primavera no Castelo e no Coração

Num castelo entre as flores,
desabrocha a primavera,
nos jardins nascem amores
como luz de uma quimera.

O vento conta em segredo
uma história de ternura,
onde o amor vence o medo
com doçura e com candura.

Nas torres do velho forte,
beijos dançam sem cessar,
e o destino, em doce sorte,
ensina os corações a amar.

Que a primavera reine sempre no castelo do coração de todos nós




31/05/2025

Balança - José Saramgo




Com pesos duvidosos me sujeito
À balança até hoje recusada.
É tempo de saber o que mais vale:
Se julgar, assistir, ou ser julgado.
Ponho no prato raso quanto sou,
Matérias, outras não, que me fizeram,
O sonho fugidiço, o desespero
De prender violento ou descuidar
A sombra que me vai medindo os dias;
Ponho a vida tão pouca, o ruim corpo,
Traições naturais e relutâncias,
Ponho o que há de amor, a sua urgência,
O gosto de passar entre as estrelas,
A certeza de ser que só teria
Se viesses pesar-me, poesia.

José Saramago,
de Os poemas possíveis





24/05/2025

Crepúsculo - Delores Pires






Luz de fim do dia.
E a tua imagem flutua...
Vaga nostalgia!


Delores Pires
em "O Livro dos Haicais"





17/05/2025

Busca nova ilusão - Walter Dimenstein





Sempre alguma coisa fica
Dos nossos sonhos coloridos
Sonhos idos e vividos
Devidos ou indevidos
Resta uma saudade rica
Que empobrece a cada hora
Até que um dia vai embora
Pra longe sem deixar pistas
E o sofrido coração
Busca nova ilusão.


Walter Dimenstein
Homenagem ao médico e poeta pernambucano



13/05/2025

Reza da Manhã de Maio - Sophia de Mello Breyner Andresen





Senhor, dai-me a inocência dos animais
para que eu possa beber nesta manhã
a harmonia e a força das coisas naturais.

Apagai a máscara vazia e vã
de humanidade
apagai a vaidade,
para que eu me perca e me dissolva
na perfeição da manhã
e para que o vento me devolva
a parte de mim que vive
à beira dum jardim que só eu tive.


Sophia de Mello Breyner Andresen
do livro “Coral e outros poemas”




10/05/2025

Reflexões - Anna Carlini




Um barco passa ao longe
Na linha do horizonte.

Passa o tempo,
uma alegria, alguns sorrisos
Muitos sonhos, algumas dores
Muitos amores, poucas verdades

Um adeus,
algumas lágrimas, recordações
como no horizonte ao pôr-do-sol
Vão se esfumando as lembranças

Que importa se desce a sombra
Se tudo já é passado.
Navega comigo,
Até que a noite desapareça.


Ana Carlini (Pseudónimo)



04/05/2025

Mãe - António Ramos Rosa





Conheço a tua força, mãe, e a tua fragilidade.
Uma e outra têm a tua coragem, o teu alento vital.
Estou contigo mãe, no teu sonho permanente na tua esperança incerta
Estou contigo na tua simplicidade e nos teus gestos generosos.
Vejo-te menina e noiva, vejo-te mãe mulher de trabalho
Sempre frágil e forte. Quantos problemas enfrentaste,
Quantas aflições! Sempre uma força te erguia vertical, v sempre o alento da tua fé, o prodigioso alento
a que se chama Deus. Que existe porque tu o amas,
tu o desejas. Deus alimenta-te e inunda a tua fragilidade.
E assim estás no meio do amor como o centro da rosa.
Essa ânsia de amor de toda a tua vida é uma onda incandescente.
Com o teu amor humano e divino
quero fundir o diamante do fogo universal.


António Ramos Rosa, in "Antologia Poética"




29/04/2025

Simplicidade - Haikai de Delores Pires





Singela e formosa
num torvelinho de espinho
desabrocha a rosa.


Delores Pires in O Livro dos Haicais



23/04/2025

A Tempo - Vitorino Nemésio






A tempo entrei no tempo,
Sem tempo dele sairei:
Homem moderno,
Antigo serei.
Evito o inferno
Contra tempo, eterno
À paz que visei.
Com mais tempo
Terei tempo:
No fim dos tempos serei
Como quem se salva a tempo.
E, entretanto, durei.


Vitorino Nemésio, in 'O Verbo e a Morte'





19/04/2025

Saudade - Bernardina Vilar




Saudade é a imagem das recordações...
De luz acesa, crepitante chama
Que aquece a alma e gera evocações
E sem querer o desengano engana.

Saudade é um verso feito de emoções...
Acre perfume que a doçura emana
Torpor que entrando em nossos corações
Quanto mais embriaga, mais inflama...

Doce abandono... Ausência merencória...
De um passado distante a viva história
Que em nós conserva uma lembrança pura.

Saudade é o silvo agudo de um lamento
Que escutamos no perpassar do tempo
Como sendo delícia e amargura.


Bernardina Vilar




15/04/2025

Preságio - Fernando Pessoa





O AMOR, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...


Fernando Pessoa




12/04/2025

Chove - Poema de José Gomes Ferreira





Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.


José Gomes Ferreira


08/04/2025

Dança, bailarina, dança…





Dança, bailarina, dança… Dança, bailarina, dança…
Põe nos teus passos toda a harmonia
E toda a poesia nas pontas de teus pés
Em gestos nobres, faze surgir a fé!!!

Gira, bailarina, gira…
Vai girando e semeando amor,
Mais depressa que as voltas do mundo,
Pra que haja tempo de matar a dor!

Baila, bailarina, baila…
Traz contigo a primavera
Pra florir os campos, florescendo a Terra,
Numa explosão de cores que tua dança encerra.

Faze de tua arte uma suave prece
Capaz de enternecer os corações de pedra
Faze tua música soar tão alto
Calando assim os estopins da guerra!!!

Mostra ao Homem que o teu bailado
Expressa a vida nesse simples ato…
Onde o amor é tudo, onde o amor é nato.

Que em teus saltos ponhas tua garra
Seguindo sempre a luz de teu clarão,
Quebrando muros para unir os povos
Num universo único, onde se deem as mãos.

Abre tua alma, no esplendor da dança…
Não desistas nunca e verás, enfim,
Bailar no campo, doce e cálida esperança,
Em meio às flores de um lindo jardim…


Carmen Lucia Carvalho de Souza



05/04/2025

Fanatismo - Florbela Espanca






Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida.
Meus olhos andam cegos de te ver.
Não és sequer razão do meu viver
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No mist'rioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!...

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa...
Quando me dizem isto, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E, olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus: princípio e fim!..."


Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade"




29/03/2025

Beija-flores - Poema de Alberto de Oliveira





Os beija-flores, em festa,
Com o sol, com a luz, com os rumores,
Saem da verde floresta,
Como um punhado de flores.

E abrindo as asas formosas,
As asas aurifulgentes,
Feitas de opalas ardentes
Com coloridos de rosas,

Os beija-flores, em bando,
Boêmios enfeitiçados,
Vão como beijos voando
Por sobre os virentes prados;

Sobem às altas colinas,
Descem aos vales formosos,
E espraiam-se após ruidosos
Pela extensão das campinas.

Depois, sussurrando a flux
Dos cactos ensanguentados,
Bailam nos prismas da luz,
De solto pólen dourados.

Ah! como a orquídea estremece
Ao ver que um deles, mais vivo,
Até seu gérmen lascivo
Mergulha, interna-se, desce...

E não haver uma rosa
De tantas, uma açucena,
Uma violeta piedosa,
Que quando a morte sem pena

Um destes seres fulmina,
Abra-se em férvido enleio,
Como a alma de uma menina,
Para guardá-lo no seio!


Alberto de Oliveira
Publicado no livro Meridionais 




23/03/2025

Buscas - Anna Carlini




Gosto de pessoas de alma franca
Sorriso de criança
coração sintonia branca
Um olhar clemente
atos de bondade
um gesto de compaixão
uma vida de compreensão
busca de elevação.

Amo,
quem procura apaziguar
aquele que busca saber
o que aprecia ajudar
a Luz da simplicidade
recheada de caridade.


Anna Carlini



19/03/2025

Semana Comemorativa do Dia Mundial da Poesia




Participando com muito prazer no convite da amiga Rosélia do Blogue "Escritos d'Alma".

Divagando com a Imagem dada




Junto ao Mar ao entardecer


Junto ao mar num belo entardecer,
o vento embala um amor a nascer.
Numa dança louca com ondas de paixão,
o teu toque incendia o meu coração.

Tuas mãos em mim, torna o mundo perfeito,
tua voz sussurrando, ecoa no meu peito.
Nos teus braços a paixão, é pura poesia,
acendendo uma chama, em versos de magia.

As ondas alegres, num intenso bailado,
Acompanham o amor, que é declarado.
Profundo, intenso, reflete-se no olhar
e o tempo pára, só para nos guardar.

Ficamos juntos, com o mar a embalar,
um abraço sentido, uma só alma a amar.
E o dia partiu, mas deixou nascer
o amor em nós, num belo entardecer.




15/03/2025

Rotina - Bernardina Vilar




A vida é sempre a mesma. Uma rotina.
Há flores despontando, outras morrendo
Há pássaros cantando entre a campina
E há ninho vazio adormecendo.

De luar, há brancura em luz divina,
E noite escura em trevas se envolvendo;
Rio cantarolando. Frio, neblina,
E terra ardendo em brasa se estorcendo.

Há sorrisos, cantares, dor e pranto
Mal divididos. A uns fica a lembrança...
Outros vivem feliz realidade.

Assim decorre a vida. E por encanto
Em cada amanhecer há uma esperança
E em cada pôr-do-sol uma saudade.


Bernardina Vilar
In ‘Bom dia, Saudade!’ (1995)



09/03/2025

Melancolia - Maria de Santa Isabel





Porque trouxeste as horas já vividas
Para, neste momento, recordar?
Porque notaste as lágrimas caídas,
Que jamais tornaremos a chorar?

A vida não tem páginas relidas,
Tudo nela é constante renovar,
E nós somos as folhas ressequidas
Dum poema que o Outono vai rasgar...

Folhas mortas, que ficam sossegadas,
Deixai-as para sempre nas estradas...
Para que levantá-las, Ventania?

Antes de morrer na paz do esquecimento,
Do que ser arrastada pelo vento,
Em hora de cruel melancolia...


Maria de Santa Isabel
(Maria Palmira Osório de Castro Sande Meneses e Vasconcellos Alcaide)
In Flor de Esteva



Topo